segunda-feira, 27 de outubro de 2014

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parte I - Autópsia


Tu és um caos sistemático
Uma bagunça coerente
Um gosto azedo na minha boca
Uma manhã cinzenta de domingo
Um natal pouco iluminado
Uma reminiscência que atravessa meu cérebro e me castiga dia & noite da maneira mais unilateral possível
Um mar morto e um campo de flores murchas, sem vida
Uma virada de ano sombria, sem fogos de artifício
Um soneto sobre indiferença, inconstância e bipolaridade
Uma escola de samba sem mestre sala nem porta bandeiras
Um tiro na noite no vazio do céu escuro
Um fracasso no amor, um amontoado de erros incandescentes
Suas péssimas escolhas refletem de maneira impecável quem tu és atualmente
E te definem de um jeito que eu nunca consegui definir com meus versos insalubres e injuriosos
Essas mesmas escolhas que também refletem a tua ruína atual e que um dia te assombrarão como fantasmas de um passado doloroso e monótono, com um nó apertado na sua garganta e um vazio sepulcral quando lembrar que todo mundo se comprometeu a entender os meus motivos, menos você, e perceber que tomou a decisão mais cômoda e equivocada possível, ao escolher o cais errado para atracar seu barco
Quando esse dia chegar, meu bem, vai sentir um nó tão angustiante no teu peito, que nem as suplicas mais poderosas serão capazes de me trazer de volta ao seu mundo
Enfim, caiu na tua própria armadilha.


parte II - Estrela do Oriente


Você teme esses sentimentos que dominam teu espírito sempre que reclina esse seu olhar irresistível, castanho e oblíquo sobre mim
E eu gosto de ser seu por inteiro
Um tiro no escuro do vácuo do teu próprio peito
O pagamento final
Esse eterno paradoxo ambulante, tão madura, fria, quente, imatura, deslumbrante, brilhante, fantástica e calculista ao mesmo tempo
Um problema que eu quero levar pra casa
Pra te condenar pro resto dos teus dias com o meu beijo mortal
Deixar meu corpo falar junto ao teu
E te enrolar nas minhas cobertas
Até que não haja mais motivos para pertencermos um ao outro
Mesmo que agora pareça tão óbvio quanto improvável
Que eu fui feito pra você e que merecemos todo o amor do mundo, por mais que não precisemos dele agora
(Precisamos dele).

Em todas as semanas dos últimos meses, lhe dediquei as melhores horas dos meus dias, te escrevi os melhores versos e os piores também (os piores também).
Escutei seus melindres, te falei para ser forte e não se preocupar tanto com o futuro, pois ele está sempre acontecendo.
Te mostrei que as diferenças são essenciais para que possa ser estabelecido um certo grau de equilíbrio.
Me mostrei para você da maneira mais lateral, enxuta, nua e sincera possível, caminhei ao teu lado 4 dias por semana (ou mais).
Guardei o meu pior comigo e te mostrei que a vida não tem que ser tão complicada assim.
Colei um cartaz de "procura-se" com várias fotos suas por todos os postes da cidade, e o tempo cuidou do teu regresso sem cobrar resgate.
Encontrei em ti as melhores características que eu poderia encontrar em alguém, mas encontrei as piores também e, por um tempo, enxerguei a mim mesmo em você.
Segurei teu coração na palma da minha mão e sorvi para dentro de mim toda a bondade e a delicadeza que pudessem emanar do teu corpo casto.
Mas a pior dessas semanas foi aquela em que, 01 dia após eu te agraciar com algumas palavras sinceras de carinho, você me presenteou com a sua frieza glacial e com a sua indiferença bem ensaiada, como se fôssemos dois completos desconhecidos, na porta da sala que se transformou em um cemitério de lembranças desagradáveis e angustiantes.

Mas o mínimo que eu espero agora é viver tempo suficiente
Para conseguir morar em todos os seus universos, voltar com você pro mar de onde saiu e, quem sabe, conseguir viajar ao centro da terra e dar a volta ao mundo em 80 dias, com o intuito de te trazer a terra média, a força, a massa, a aceleração, a guerra nas estrelas, as viagens interestelares, as aventuras intercontinentais, a república galáctica, as placas tectônicas, as crônicas, as guerras clônicas, os anéis, os brincos, as pulseiras e os cordões, as botas, os vestidos de seda, os casacos de veludo, o amor clandestino, as cores púrpuras, todas as estações, a orquestra imperial, todos os cometas, o pôr-do-sol, o antes e o depois, a sintaxe, a semântica, a gramática normativa, todas as vidas que eu tiver ao seu lado e todas as eternidades também, para que possamos coexistir na mesma superfície terrena, juntos, compartilhando da mesma tensão espiritual
E te mostrar que, à despeito da tua dissimulação e de toda petulância, algo que eu queria muito agora é uma cabeça pra recostar e dormir no meu ombro. De preferência a sua.