parte I - Autópsia
Tu és um caos sistemático
Uma
bagunça coerente
Um
gosto azedo na minha boca
Uma
manhã cinzenta de domingo
Um
natal pouco iluminado
Uma
reminiscência que atravessa meu cérebro e me castiga dia & noite
da maneira mais unilateral possível
Um
mar morto e um campo de flores murchas, sem vida
Uma
virada de ano sombria, sem fogos de artifício
Um
soneto sobre indiferença, inconstância e bipolaridade
Uma
escola de samba sem mestre sala nem porta bandeiras
Um
tiro na noite no vazio do céu escuro
Um
fracasso no amor, um amontoado de erros incandescentes
Suas
péssimas escolhas refletem de maneira impecável quem tu és atualmente
E
te definem de um jeito que eu nunca consegui definir com meus versos insalubres
e injuriosos
Essas
mesmas escolhas que também refletem a tua ruína atual e que um dia te
assombrarão como fantasmas de um passado doloroso e monótono, com um nó
apertado na sua garganta e um vazio sepulcral quando lembrar que todo mundo se
comprometeu a entender os meus motivos, menos você, e perceber que tomou a
decisão mais cômoda e equivocada possível, ao escolher o cais errado para atracar seu barco
Quando
esse dia chegar, meu bem, vai sentir um nó tão angustiante no teu peito, que
nem as suplicas mais poderosas serão capazes de me trazer de volta ao seu mundo
Enfim,
caiu na tua própria armadilha.
parte II - Estrela do Oriente
Você teme esses sentimentos que dominam teu espírito sempre que reclina esse seu olhar irresistível, castanho e oblíquo sobre mim
E eu gosto de ser seu por inteiro
Um
tiro no escuro do vácuo do teu próprio peito
O
pagamento final
Esse
eterno paradoxo ambulante, tão madura, fria, quente, imatura, deslumbrante,
brilhante, fantástica e calculista ao mesmo tempo
Um
problema que eu quero levar pra casa
Pra
te condenar pro resto dos teus dias com o meu beijo mortal
Deixar
meu corpo falar junto ao teu
E
te enrolar nas minhas cobertas
Até
que não haja mais motivos para pertencermos um ao outro
Mesmo
que agora pareça tão óbvio quanto improvável
Que
eu fui feito pra você e que merecemos todo o amor do mundo, por mais que não
precisemos dele agora
(Precisamos
dele).
Em
todas as semanas dos últimos meses, lhe dediquei as melhores horas dos meus
dias, te escrevi os melhores versos e os piores também (os piores também).
Escutei
seus melindres, te falei para ser forte e não se preocupar tanto com o futuro,
pois ele está sempre acontecendo.
Te
mostrei que as diferenças são essenciais para que possa ser estabelecido um
certo grau de equilíbrio.
Me
mostrei para você da maneira mais lateral, enxuta, nua e sincera possível,
caminhei ao teu lado 4 dias por semana (ou mais).
Guardei
o meu pior comigo e te mostrei que a vida não tem que ser tão complicada assim.
Colei
um cartaz de "procura-se" com várias fotos suas por todos os postes
da cidade, e o tempo cuidou do teu regresso sem cobrar resgate.
Encontrei
em ti as melhores características que eu poderia encontrar em alguém, mas
encontrei as piores também e, por um tempo, enxerguei a mim mesmo em você.
Segurei
teu coração na palma da minha mão e sorvi para dentro de mim toda a bondade e a
delicadeza que pudessem emanar do teu corpo casto.
Mas
a pior dessas semanas foi aquela em que, 01 dia após eu te agraciar com algumas
palavras sinceras de carinho, você me presenteou com a sua frieza glacial e com
a sua indiferença bem ensaiada, como se fôssemos dois completos desconhecidos,
na porta da sala que se transformou em um cemitério de lembranças desagradáveis
e angustiantes.
Mas o mínimo que eu espero agora é viver tempo suficiente
Para
conseguir morar em todos os seus universos, voltar com você pro mar de onde
saiu e, quem sabe, conseguir viajar ao centro da terra e dar a volta ao mundo
em 80 dias, com o intuito de te trazer a terra média, a força, a massa, a
aceleração, a guerra nas estrelas, as viagens interestelares, as aventuras
intercontinentais, a república galáctica, as placas tectônicas, as crônicas, as
guerras clônicas, os anéis, os brincos, as pulseiras e os cordões, as botas, os
vestidos de seda, os casacos de veludo, o amor clandestino, as cores púrpuras,
todas as estações, a orquestra imperial, todos os cometas, o pôr-do-sol, o
antes e o depois, a sintaxe, a semântica, a gramática normativa, todas as vidas
que eu tiver ao seu lado e todas as eternidades também, para que possamos
coexistir na mesma superfície terrena, juntos, compartilhando da mesma tensão
espiritual
E
te mostrar que, à despeito da tua dissimulação e de toda petulância, algo que
eu queria muito agora é uma cabeça pra recostar e dormir no meu ombro. De
preferência a sua.