sexta-feira, 18 de julho de 2014

#1 carma – carta à Magnólia

Querida Magnólia,
Já tem um certo tempo que não nos vemos
Não me atrevo a fazer as contas, nem sei mais contar
E também perdi a capacidade de dizer a verdade

Querida Magnólia,
Nem sei se lembra mais de mim
Os bolsos furados me atentam para a fugacidade da existência
Acho que terei de me esforçar um pouco mais

Querida Magnólia,
Teu nome nas cadernetas antigas da minha mãe
Reacende algumas memórias
Como daquela vez que eu te peguei misturando álcool etílico com coca-cola,
Como de costume, em plena reunião do corpo docente

Querida Magnólia,
Isso é coisa que se faça?
Algumas pessoas choraram em teu nome
E você, só de pirraça, não me parecia muito contente
Pois chegaram aos ouvidos de alguns meliantes
Da Secretaria Geral do Estado
A informação de que seus olhos eram tristes e opacos
Seu filho ainda não tinha acordado do coma
Mas eu também nunca entendi nada de felicidade

Querida Magnólia,
Eu ainda infante, tomado por sentimentos pueris
Puro osso, pele, carne e más intenções
Senti alguma piedade das pessoas fumando do lado de fora do hospital
Enquanto seu filho definhava de mal a pior
Ah, quem me dera poder ter financiado seus frenesis de ébrio

Querida Magnólia,
Um bilhete na janela me lembrava de tirar o arroz do fogo
Mas eu sempre deixava passar um pouco do ponto
Por puro charme, é claro
Ou pra chamar atenção
Talvez assim também fosse você com seus vícios

Querida Magnólia,
A bebida era a sua válvula de escape, seu alento, seu exílio, sua plenitude
Nunca julguei seu modus operandi
Até porque eu também não era lá flor que se cheire
Pois me doía te ver naquele estado
                                                  [deplorável.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A que vem do Mar

Acordei meio indisposto
Naquela insólita e tórrida manhã
Um barulho ensurdecedor no quarto de cima
Vozes furiosas proferindo pragas eclesiásticas em uníssono
Voltei a dormir

2 horas depois ainda indisposto
Levantei mudo, inconformado, apavorado
Pensei que nunca mais fosse te ver
Um toque na campainha, sua foto na cabeceira
As mesmas vozes de outrora, porém suaves, piedosas e debochadas
E a sua se misturava à deles
Preenchendo minha alma com a mais doce das melodias

O cheiro do café no fogo me trouxe uma lembrança
Um pedido, um desalento, um desacato
Um gosto me veio à boca, aguçou todos os meus sentidos
Era você quem vinha ali: majestosa e decidida
Com cara de moça atrevida
Como se a tristeza não fosse muito a sua praia

Abri os olhos, já era de manhã
Me encantei com a sua dissimulação
O seu Teatro nunca me agradou muito
Maltrata os meus ouvidos
Você fica bonita em quase todas as fotos
4, 5, 6 horas e o sol já se despedia no horizonte
Raios apáticos ultravioletas monocromáticos adornam o nosso caminho
Anunciando o fim do dia num instante

Me ajoelho e rezo três/ quatro/ ave-marias
Nem sei quanto tempo me resta
Não entendo muito de métrica
Mas ainda de joelho, rogo
Peço à benção de todos os deuses
Apenas um punhado a mais de sorte

Contas a pagar, descarto todas as impossibilidades
Entro em transe espiritual, sinto a presença dela
Tão forte como se fosse estourar minhas artérias
Me demoro no teu abraço, essa é a minha chance
Minha mente logo esclarece: teu sorriso é meu alimento
E eu esqueço das coisas tristes
Sou cauteloso, mas me fale uma coisa
De coração aberto, de sinceridade
O quão findas as coisas ainda podem ser?

terça-feira, 15 de julho de 2014

Despedida/Renascença

Faz dois anos
Desde a vez derradeira que te vi
E o amor se esvaiu do meu coração
Empoleirada, ranzinza, de cara fechada, na porta do teu quarto
Com a toalha enrolada ao teu corpo: campo alvo de algodão
Paixão e clemência nos teus olhos de lágrima
Teu cheiro em suas roupas íntimas
O sabor agridoce das suas calúnias sobre mim
Me olhava torto, como se eu fosse o culpado da tua desgraça
Surtei quando te vi partindo, enlouqueci e gritei contra o travesseiro
Você sempre foi muito injusta
Espero que saiba
Coitada, já deve até ter perecido às intempéries do tempo
Eu nem lembro o que eu almocei nesse dia
Nem se falei besteira
Mas da tua boca ouvi calado: malcriações, injúrias e impropérios.

Nada sinto quando lembro
Da tua expressão endurecida
Da tua cara de reprovação quando eu me cobrava demais
Do teu corpo enxuto atrelado ao meu, realizando a mais verdadeira e sincera das danças
Dos teus lábios nos meus peitos (desculpa a vulgaridade)
Hoje nem choro mais
Você também não
Nem tenho mais forças para te homenagear.
Pela distância que tomei, peço perdão
Mas não me arrependo
Pois eu cresci um tanto, e amadureci calado
Devo ter deixado um ou dois livros na sua estante
A essa altura: empoeirados/ consumidos pelo esquecimento
Refém do abandono
Tirei da avenida meu carro alegórico
Recolhi meu folião
Taquei fogo nas minhas fantasias de carnaval
Teu silêncio me fazia mal, hoje não mais
Deixei escorrerem pelo ralo as minhas reminiscências
Cancelei o desfile da minha escola de samba
Da qual tu era dona/ rainha de bateria/ musa/ porta-bandeira
Hoje desfilo pelo bloco da solidão
Mas me encontro mais feliz também, porque eu danço com ela
Porem, nada me fez mais feliz como no dia em que a porta se abriu sozinha
Com o vento vespertino dominical, e por ela ninguém entrou
Fechei a porta e por dois ou três anos não ouvi mais batidas tuas
Esgotaram-se todas as minhas reservas de amor, aposto que as suas também
Pois dois ou três verões ralos passaram ligeiros - vigorosos - rudimentares - póstumos - regulamentares - apressados
E nem o telefone ouvi tocar
O tempo é mesmo cruel, impiedoso
Que pecado, que maravilha.

Pela janela do teu quarto eu via nascer a bonanza
A falsa calmaria do devir
E ainda lembro                      ------------/ da vez derradeira que te vi
Preocupada
Insegura
Dissimulada
Cheia de si: o mundo já não lhe parecia tão hostil
Pura falácia
Te surpreendi assustada
Iludida
Deslumbrada
Vulnerável
Exposta
Incomodada
Até chorou nos meus braços
Fingimento.

De dois anos pra cá
Eu nada soube de ti
E Deus me livre, nem quero saber
Até os dias recentes, eu nada escrevi
Meus versos foram embora contigo
Naquela fatídica noite de fevereiro
E você nem me pediu emprestado
Fiquei abismado com tamanha insolência
Mas eles voltaram
Arrependidos, mudados, transfigurados e resolutos
Como o filho pródigo que ao lar retorna (era mesmo verdade)
Sim, eles voltaram
Dessa vez, aparados pelas arestas e pelas mãos doces do meu púbere, puritano, imaculado e vigente amorzinho
Com o qual eu, por 18 anos sonhei, antes de conhecê-lo
Eu senti a falta dela, por todo esse tempo
E eu nem sabia que ela existia
Ou que seus olhos cintilariam como constelações adjacentes e inebriantes quando ela esboçasse aquela minha risada favorita
Ou que eu me sentiria privilegiado ao ser ignorado pelos corredores vazios
Ou que me encheria de alegria o peito só por estar na sua presença
Ou que os nossos passos curtos seriam os maiores motivos
Pr’eu demorar de chegar em casa
Mas isso é assunto para outros versos.

Todo esse tempo sozinho fui
E assim estive mesmo quando os braços esquecidos de outrora
Envolviam meu corpo casto, escasso
Me deu clareza de pensamento
Recolhi os cacos e engoli o choro
Mas minha cabeça ainda é frágil
Meu coração é quem acaba falando
E há muito tempo eu perdi essa guerra
De cabeça vs. coração
Como naquela música que fala

Nem me lembro mais da cor de seus cabelos
Ou da forma como me manipulava com teu cheiro forte de ferrugem
Também nem faço questão
Depois, vez ou outra, te encontrei
Anunciaram eufóricos a tua chegada
Como se anunciassem a chegada da primavera
Vê se pode
Não me parecia mais a mesma
Você se erguia duvidosa, defensiva
E teus passos soavam como canção fúnebre
Como se eu fosse o culpado da tua desgraça
Senti imenso desprazer e meu coração permaneceu incólume
Nem ouvia mais os mesmos discos
Mas teu riso era ainda o mesmo: frouxo e familiar
Porem, menos encantador.

Fim dos verões, findo amor
Hoje estou encardido, mudo, azedo, desinibido, cínico
Mas, apesar de tudo, aliviado
Pois já não te tenho mais ao meu lado.