terça-feira, 17 de agosto de 2010

Saudosismo


De uns tempos pra cá eu venho me perguntando porquê que os bons tempos e as boas épocas passam tão depressa. Em seguida eu começo a repassar, descobrindo que deixei corações naquele canto por onde passei; que as risadas foram tão boas que até já esqueci as piadas. Aquilo é que era tempo de ouro: a gente aprendia com a infância, tirava proveito inocente dos amigos na hora de brincar com seus brinquedos e vídeo-games ultra modernos, coisa de última geração mesmo.
Um cachorro dócil, triste às vezes e solitário, me vem à memória, me fazendo lembrar que viveu parte do seu filhotismo num cubículo enorme que eu tinha orgulho de chamar de "meu quarto". Mas eu não dormia lá. Eu dormia com a minha mãe no aconchego de sua cama, debaixo do mosquiteiro verde que meu pai armava toda noite antes de ir dormir. A partir de um certo tempo ele passou essa obrigação pra mim, quando eu aprendi a desligar a panela do leite antes d'ele derramar. Mas voltando ao cachorro... ele cresceu, claro, e foi logo transferido para o enorme quintal de um lugar onde eu cumpri minha infância até a minha aborrecência ainda recorrente, onde tem um pé de manga que dá bons frutos sempre a seu tempo. O cachorro morreu. Eu recebi essa notícia como uma panelada na cara e chorei, chorei debaixo do chuveiro onde minhas lágrimas se misturavam com a água que descia pelo ralo. Uns tempos depois percebi que a vida segue e começa a ficar tão boa quanto deveria ser. Você começa a se sentir livre, mesmo que tenha alguém que não esteja gostando nada dessa história.
A mesma malandragem de criança, de quando costumávamos pedir dinheiro para a vizinha (mulher do velho da brasília branca), - que Deus os tenha - continua nos acompanhando sempre, a cada dia, a cada ano, a cada Copa do Mundo onde se ouvia os gritos de alegria e os fogos de São João a se desfazerem no ar e se transformarem em sons excitantes; onde se vislumbrava aquela velha e buliçosa rua sendo enfeitada com bandeirolas e suas calçadas sendo pintadas de verde e amarelo, verde e amarelo.
Alguns detalhes passaram bem escondidos (ou não passaram), resumidos na pressa de quem corre a alcançar a linha de chegada, na pressa de quem fecha o olho e deseja logo o sono instantâneo. Até que tudo isso passou, e passou bem. E aqueles lindos momentos memoráveis nos quais éramos felizes e sabíamos muito bem, ficaram guardados para sempre e finalmente podemos dizer com firmeza: minha infância foi foda! Daria um filme envolvendo todas as nuances dos mais variados sentimentos e sendo reproduzido em película cinematográfica, num estilo característico de quem viveu pra valer e com vontade.

Desabrocho

Deixa derramar o sangue
que jorre o sangue
do mar de grama
onde todo fruto é amor
do sal e da lama
onde toda serra em par
é paisagem texana

Deleite e reza braba
onde nenhum fogo vai queimar
dirijo sem vida
o meu cachecol de pano
em cereja plantada
em canavial de prata
quem vê a solidão te encarando
tem dois pássaros voando a te açoitar

Que jorre o sangue
em céu distante
feito um mangue
em azul escarlate
que alguém há de amar-te
a solidão exclama e ainda te encara
deitada ao pé do servo
como um covil em chamas
te parte e te abate

Ah, mulher insistente... coração valente
nem que a letargia secular
não se canse de correr
na velocidade da luz
recomeçando em andar
a passos de bebê
no sol da tarde
cada raio é um espasmo
de vida em roda de ciranda
cantando: hoje eu te dou bom dia.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Noite Em Claro

Aí você rebece uma notícia e descobre algo pra te agitar
Algo baseado naquilo que você gosta
Se tiver espaço para se expressar de todas as formas
Vai chamar seus poucos e grandes amigos
Passeando entre estreitos e longos passeios e calçadas
é que se chega ao ponto mais próximo da sua alma
Gole vai, gole vem, ao seu redor tudo se torna amigável
Todos se tornam amigáveis
E então, começa a se sentir querido, notado
Detonando ao reverbe da música numa
junção de todos os instrumentos
O vazio começa aos poucos a dar lugar
a uma incrível solidez, que, mais tarde,
irá se transformar em lembranças
legais - ou não - de se lembrar

_

Aí você acorda nostálgico
Tentando ainda perceber se já caiu a ficha
E descobre que não
Descobre que sobraram boas recordações,
turvas, mas boas
E começa a se questionar se tudo aquilo
realmente aconteceu ou se foi apenas um sonho bom
Se é difícil conviver sozinho com todas essas reminiscências
Necessitando e achando que algo te falta
Mas não falta nada
É só o seu organismo reclamando do exagero
Todas aquelas pessoas
Ricas criaturas alegres
Ainda permanecerão guardadas por um bom e longo tempo
Mesmo que a morte os separe.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Tudo aqui tá desafasado
Tá tudo defasado aqui
Defasou tudo
Defasado não estaria se não estivesse defasado
Tá defasado porque defasou
Tudo aqui tá defasado
Tá tudo defasado aqui.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Circo e a Selva

Eu não sei mais de mim
Amenizei a temperatura do ambiente
A água agora desce quente
Já não é mais a mesma de antes

Os sapatos não fazem mais ranger
O gelo não faz mais queimar
Ninguém foi ver o mar
Só o rio que secou
Só o rio que secou

Oh, fonte que não fornece mais
Uma juventude animadora
Como aquela outra
De antigamente, feliz, contente
Amor barato, pétala de flor

Nenhum som tão baixo
Que não seja audivelmente claro
Por seus ouvidos, num circo
Onde palhaços gargalhando
Cheio de feras a rosnar
E cheiro de pipoca salgada

Sentado num banco
Livre, dizendo uma dose de felicidade
Carente de pranto
Formou-se um rumo
No qual palhaços gargalhando
Cheio de feras a rosnar
E cheiro de pipoca salgada no ar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Aos Patos

Quem nunca passou
Na praça dos patos, quem?
Quem nunca parou
para olhar os patos, quem?
Quem nunca pensou
Em alimentar os patos, quem?

Se tu soubesse, bicho
Da tua nobre presença
Doce embriaguez
Que me dá na crença
De que ainda vai voltar
Pro teu lugar

Eu, nordestino, escrevo
Por versos baianos
Eterno a te adorar
No teu mais glorioso andar
Em todas as horas
Em qualquer lugar
Seja na praça ou no campo
Se banhando ou apenas olhando
O mundo encantado e te encarar.